terça-feira, 12 de outubro de 2010

Aluno como principal referência no aperfeiçoamento da competência do professor

Interessante a formação do professor! Estudam-se todos os principais teóricos, de Piaget a Wygotsky, passando por uma interminável lista de referências. Os semestres são preenchendo com infindáveis leituras, interpretações, debates, provas, trabalhos, seminários, palestras e conferências.
Para os que se dedicam com entusiasmo e com afinco, ocorre a construção, ao longo desse período, de um alicerce de conhecimentos teóricos invejável. E para completar a carga horária e preencher os requisitos mínimos da sua formação, o educador faz um estágio em uma sala de aula, supervisionado por um professor titular.
Tudo lindo e maravilhoso até o dia em que ele assume a reponsabilidade de uma turma só sua! Nesse momento tudo começa a tomar outro rumo, principalmente quando encontra alunos, nessa turma, que não preenchem os requisitos do aluno padrão tão desejado pelo educador padrão, que acredita em resultados padronizados ao seguir as metodologias aprendidas no decorrer de sua formação.
Desse dia em diante tem início a construção da personalidade neurótica e estressada, característica de grande parte dos profissionais em educação, já que os fantasmas do meio educacional começam a aparecer em sua frente.
Eles, os fantasmas, aparecem em forma de coordenadores exigentes demais, salário baixo demais, tempo escasso demais, pais intransigentes demais, alunos desestimulados, preguiçosos, bagunceiros, irritantes, agressivos, hiperativos, doentes, marginalizados, etc., etc.
Alguns desses educadores se irritam, e desistem, “jogam a toalha”, fogem da sala e dos alunos como “o diabo foge da cruz”! (...) E vão correndo arranjar emprego em uma empresa de telemarketing...
Outros se acomodam na mediocridade profissional, esquecem os objetivos que pretendiam alcançar como educador, e seguem sua jornada automatizada de “dadores de aula”, ignorando os péssimos resultados obtidos por grande parte de seus alunos ou, pior ainda, colocando na família, na mídia, na sociedade ou no próprio aluno a responsabilidade (ou culpa) pelo seu fracasso.
Onde está o erro? Por que isso ocorre com tanta frequência? Como melhorar esse processo? Existe alguma solução? Como explicar o sucesso alcançado pela maioria dos alunos de algumas escolas de pequenos povoados, em países ainda piores do que o nosso, sem salário, sem livros, sem data-show, sem computador, sem laboratórios de ciências nem de informática, sem DVD, sem cursos de robótica, sem lousa eletrônica, sem cadeiras estofadas e sem ar condicionado?
Não precisamos ir muito longe. Basta fazermos uma viagem pelo interior de nosso próprio país que, de repente, vamos encontrar uma casinha pequena onde um educador nato está formando pessoas com excelentes resultados! Pessoas essas que poderão fazer a diferença no futuro.
E esse educador, muitas vezes, não possui sequer diploma, muito menos computador, nem acesso ao datashow. Ele não estudou Piaget, nem sabe manejar a lousa eletrônica (aliás, nem sabe de sua existência). Ele não fez estágio em nenhuma escola, mas aprendeu com os seus alunos, na prática, observando as características apresentadas por eles e tentando encontrar meios de estimulá-los para melhorar cada dia mais um pouco.
Exemplos positivos podem ser apontados em todo o mundo, com pessoas de sucesso que tiveram a oportunidade de ser orientadas por esses educadores de verdade. Alguns desses educadores tinham formação superior. Alguns deles tinham apenas completado o curso básico. Outros eram totalmente leigos, mas totalmente dedicados à compreensão dos alunos que estavam sob a sua responsabilidade. E aprenderam a educar o aluno observando-o com cuidado, analisando suas habilidades e desenvolvendo formas para estimulá-lo a crescer.
Michael Faraday, considerado um dos cientistas mais influentes de todos os tempos, foi educado por uma dessas professoras sem qualquer preparo teórico, que o ensinou a ler, escrever e entender um pouco de aritmética. Aos 13 anos começou a ser ajudado por outro educador nato, George Riebau, um simples encadernador e comerciante de livros, mas que o estimulou a buscar conhecimento nos livros que o ajudava a encadernar. Tanto a professora leiga que o ensinou a ler, escrever e fazer contas, como o encadernador leigo que o estimulou a buscar conhecimento nos livros, aprenderam a lidar com Faraday observando suas características, suas habilidades e sua forma de ser curioso, para estimulá-lo a se desenvolver. E conseguiram!
Por que não podemos fazer o mesmo com nossos alunos? Por que não podemos analisar suas características, suas habilidades, seu foco de atenção e seus interesses, para, a partir daí, desenvolvermos estratégias para estimulá-lo a crescer intelectualmente, emocionalmente e com caráter?
Nosso aluno é único. Nosso filho é único! Suas características são exclusivas dele! Algumas delas são até semelhantes às dos outros, mas essa semelhança não é necessária e nem deve servir para efetuarmos comparações. Elas, as comparações, são sempre desestimuladoras para algum dos lados.
Vamos, então, aprender com cada um de nossos alunos! Eles são a nossa principal referência prática e teórica! Mas para isso precisamos “entrar” no seu universo individual, procurar entender seus entendimentos, sentir seus sentimentos e compreender a sua forma de raciocinar e ver o mundo.
Precisamos, então, assumir a postura de entender cada aluno como um ser alienígena proveniente de uma diferente galáxia. Fazendo assim estaremos mais próximos de aprender com ele as suas formas de entendimento de vida, ao invés de querer compará-lo com seus outros colegas e exigir que tenham o mesmo desempenho! Cada pessoa é diferente. As semelhanças acabam fazendo com que padronizemos o que não deve ser padronizado.
Meninos superdotados, por exemplo, não conseguem manter o interesse por aulas tradicionais, já que nessas aulas espera-se que o aluno “normal” estude exatamente aquilo que o professor dá em sala e que realize as tarefas padrão dos livros. Os superdotados precisam de algo a mais. Eles precisam ser estimulados a pesquisas além do nível ensinado, a criar coisas novas e a desafiar o próprio professor.
Entrar no universo do superdotado é mostrar ao aluno o seu exemplo de entusiasmo pela evolução do conhecimento, pelas pesquisas e pela criatividade para estimulá-lo. Você tem que se “vestir” de um “buscador de conhecimento”!
Meninos com baixa capacidade de entendimento precisam ser estimulados a resolver questões e realizar exercícios inicialmente abaixo de seu nível de entendimento, para que elevem a sua autoestima e sejam quebrados, aos poucos os seus bloqueios emocionais. A maioria deles “esconde” por trás da dificuldade de entendimento, uma grande preguiça mental! Entra-se em seu universo mostrando nossa perseverança em pequenos trabalhos e pequenas atitudes do nosso dia-a-dia. Devemos mostrar o quanto ficamos alegres com pequenas vitórias que alcançamos todos os dias e a nossa força de vontade para realizar a cada dia mais um pouco. Da mesma forma devemos demonstrar alegria verdadeira ao ver seus exercícios realizados. Assim estaremos elevando a sua autoestima e estimulando-o a continuar e progredir a cada dia, mesmo que seu desempenho seja pequeno.
Alunos com T.E.A (Transtorno de Espectro Autista) possuem um único foco de interesse. O mundo gira em torno desse foco. Entrar em seu universo é entrar nesse foco e vivenciar suas emoções. Só assim estaremos ganhando a sua confiança, aprendendo com ele e fazendo parte de seu mundo.
Além das diferenças de entendimento e de interpretação de vida, todas as pessoas, mesmo sem perceber, possuem um foco de interesse. Essa característica marcante do autista também afeta a todos nós, em maior ou menor grau. E quando essas características saem do individual para o grupal, as técnicas a serem usadas podem ser mais gerais.
Esse foco de interesse coletivo foi o que levou a professora do filme “Escritores da Liberdade” a discutir uma música da moda e, mais tarde, realizar a atividade da “Linha de Inclusão Social”, traçada no meio da sala. Para quem viu o filme, foi marcante o momento em que ela dividiu a sala em duas partes e traçou a linha no chão. A cada pergunta feita, aqueles que se consideravam “dentro” do tema, eram orientados a ficar em cima da linha. E esse procedimento foi mostrando a cada aluno o quanto eles tinham de semelhança em suas vidas, seus costumes, suas dificuldades e, principalmente, em seus dramas pessoais.
Agindo dessa forma, podemos ter estudado, ou não, teóricos como Piaget e Wygotsky, mas estaremos utilizando, na prática, e mesmo sem saber, muitos dos conceitos desenvolvidos em suas teorias.
E tudo será sempre lindo e maravilhoso, principalmente a partir do dia em que se assume a reponsabilidade total pela formação de um grupo! Os problemas de relacionamento entre o professor e o aluno passam a constituir novos e importantes desafios para o desenvolvimento de sua competência educacional.
E, ao invés da construção de uma personalidade neurótica e estressada, constrói-se uma personalidade perseverante, dedicada e vencedora. Os fantasmas do meio educacional desaparecem, como que por encanto, já que se tornam pequenos demais em relação ao prazer de estarmos trilhando uma estrada de produtividade crescente e resultados cada dia mais estimulantes.
Esse é o resultado de usarmos o nosso próprio aluno como referência para o aperfeiçoamento constante de nossa competência educacional.