Relato recebido:
"Tenho dois alunos (irmãos) com dificuldade na aprendizagem, principalmente na memorização e na captação dos sons das letras iniciais das palavras. Quando pergunto qual a letra inicial da palavra "elefante", eles dizem: letra "o" ou outra letra qualquer. Até mesmo em relação ao próprio nome eles não conseguem diferenciar o som da letra inicial. Essas crianças, seis e oito anos, são de família muito carente, com mais cinco irmãos e com diferença de um ano entre eles. Quando eram bebes, na fase de começar a caminhar, não tiveram o estímulo dos pais para iniciar o processo. Eles ficavam o tempo todo sentados e sofriam de desnutrição. Só começaram a andar a partir dos três anos, depois de serem levadas ao médico. Gostaria de saber se esse desenvolvimento tardio pode ter tido alguma influência na aprendizagem deles. Estou muito preocupada com ambos e quero buscar todas as alternativas para descobrir um meio mais fácil de ajudá-los a construir o aprendizado. Eram alunos matriculados na 1ª série. Voltaram para a pré-escola porque não conseguiam acompanhar os colegas."
Resposta:
O cérebro de uma criança em desenvolvimento normal já apresenta, aos seis anos, 95% de seu peso final e praticamente já utiliza, para seu funcionamento, a maior parte da energia do organismo. A criança precisa desse desenvolvimento e da utilização dessa energia para aplicação do raciocínio lógico e elaborar seus pensamentos de forma adequada. Lógico que tudo vai sofrer mudança, novamente, ao iniciar a adolescência, mas as compensações necessárias dever ser efetuadas agora.
O relato mostra que essas crianças, possivelmente devido aos acontecimentos também ali narrados, podem estar com sua capacidade cognitiva alterada. Mas o que nos interessa nesse caso (e na maioria dos casos semelhantes) não é bem a razão do surgimento da anomalia, mas a forma de as encaramos para planejar a realização de nosso trabalho, que deve estar todo voltado para o seu desenvolvimento.
As razões do surgimento da anomalia são importantes, não para essas crianças, mas sim para evitarmos outras com as mesmas dificuldades. Esse estudo, então, deve ser feito também, em paralelo com o dessas crianças. Mas agora vamos dar atenção apenas ao tratamento dessas duas crianças.
Primeiro passo: laudo médico
Para evitar atrasos em tratamentos que possam ajudar possíveis anomalias é conveniente solicitarmos aos responsáveis laudos avaliativos realizados por um neuropediatra ou um pediatra, ou um psiquiatra especialista em crianças.
Segundo passo: entendimento do laudo médico
O laudo médico deve ser analisado para encontramos, não as deficiências, mas sim as suas capacidades, as suas possibilidades e as suas habilidades. O que precisamos saber não são suas deficiências, mas sim suas capacidades. Não precisamos saber o que a criança não pode fazer ou não consegue, mas sim aquilo que ela pode fazer e já consegue. Se o laudo só contiver impossibilidades e anomalias solicite outro apenas com possibilidades, capacidades e habilidades.
Terceiro passo: planejar atividades
A partir dessas capacidades e habilidades devem ser planejadas as atividades cognitivas, emocionais e comportamentais. Esse planejamento deve introduzir a afetividade, o lúdico, o prazer e o reconhecimento.
Os professores, terapeutas e familiares dessa criança deverão trabalhar a partir da descoberta dessas capacidades e habilidades, independente se são ínfimas ou se são importantes. As incapacidades e os erros não devem jamais ser levados em consideração, mas sempre os acertos e as habilidades.
Os exercícios, os jogos e os ensinamentos devem ser todos lúdicos e prazerosos, sempre num ambiente de descontração e liberdade, embora sempre com determinação e limites.
Quarto passo: reconhecimento e satisfação
Todas as atividades apresentadas devem estar dentro da habilidade da criança, mesmo que isso seja muito pouco! Ou seja: se ela só consegue desenhar uma linha, que sejam dadas muitas linhas para ela desenhar e que cada desenho seja motivo de VERDADEIRA ALEGRIA do professor, terapeuta ou familiar dessa criança.
Quinto passo: acompanhar a turma
Não nos interessa, para esses casos, se a criança está acompanhando ou não a sua turma. O que interessa é se ela está conseguindo ou não uma melhoria no seu desenvolvimento, mas em relação a ela mesma em um momento anterior, ou seja, a comparação será realizada com ela mesma e nunca com os demais colegas.
Quanto a estarem ou não no 1º ano ou na Educação Infantil, isso deve ser tema de discussão com o Conselho Escolar, a partir da análise da verdadeira função da escola, ou seja: a escola tem como função desenvolver o cognitivo e o emocional da criança ou sua função é selecionar os melhores e reprovar os piores?
Se a resposta é a primeira opção então temos que ignorar o acompanhamento da turma e enfocar cada aluno como um caso especial a ser desenvolvido de seu ponto inicial para um ponto mais além, objetivando lucro cognitivo, emocional e comportamental.
Sexto passo: quebra do bloqueio emocional
Esse trabalho terapêutico, pedagógico e psicopedagógico deve ser realizado todo o tempo pelo simples prazer de realizá-lo! E isso é muito importante! Não podemos criar expectativas de resultados maiores porque isso só atrapalhará a nossa performance nesse acompanhamento. Todo trabalho deve ser feito pelo simples prazer de realizá-lo e cada progresso alcançado deve ser comemorado com uma verdadeira satisfação, para assim acelerar a quebra de algum bloqueio psicológico nessas crianças.
Isso é importante porque muitas das anomalias apresentadas por crianças e adolescentes nada mais são do que anomalias de oportunidade, ou seja, resultantes de bloqueios emocionais indefinidos, trazendo uma sintomatologia muito semelhante a anomalias psíquicas, neurológicas ou orgânicas existentes.
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