Quando comecei a ler as homenagens feitas à mulher por conta de seu dia,
a imagem que me veio à mente foi de muita hipocrisia e pouco reconhecimento dos
seus verdadeiros valores.
Grande parte dos textos mostram o seu grande valor como “escrava do
homem e dos filhos”, reverenciando a sua capacidade de enfrentar, com alegria,
sua dupla ou tripla jornada.
Os textos parecem elaborados visando convencê-la de que a sua
importância está exatamente em enfrentar tudo isso e, ao final do dia, estar
linda, bem cuidada e maravilhosa, para satisfação de seu homem.
Preferi, então, nada publicar ontem! Eu estaria na contramão da cultura
machista, disfarçada por um reconhecimento que me parece, no mínimo,
equivocado.
Já nos afastamos, há alguns milhares de anos, do período das cavernas,
mas mantemos um relacionamento de superior para inferior, súdito ou subserviente, onde as exceções ainda são tão poucas, que ainda chamam a atenção
pela sua estranheza!
Mas a minha observação de hoje está baseada apenas em um pequeno detalhe
de tudo isso. Um detalhe que comecei a sentir a partir do momento em que o
avançar da idade mais uma vez me surpreendeu com um evento novo: o prazer das
boas recordações!
Mas por que razão eu estou ligando o prazer das boas recordações com o
desprazer de ver a mulher ainda tratada como um ser inferior?
Porque um dos aspectos mais evidentes dessa terrível inferioridade
cultural está na perda da sua identidade, registrada no momento em que ela se
junta, oficialmente, a um homem!
Uma perda de identidade consolidada pela perda do sobrenome, assumindo
um nome de uma família que não lhe pertence, assumindo uma genealogia estranha
à sua, mas que passa a dirigir toda a sua vida desde então.
Anulou-se a mulher que existia até então. Toda uma vida arquivada com um
sobrenome que foi desprezado ou, no mínimo, deslocado para uma posição
secundária.
Sim! Isso pode parecer uma declaração estranha e, talvez, fora de hora,
mas é o que sinto.
A maioria das mulheres aceita isso com naturalidade, e por vezes até com
orgulho, como acontecia com minha mãe.
Ela adorava ser apresentada em público como a excelentíssima Sra
Ministro do Superior Tribunal Militar Roberto Andersen Cavalcanti, em vez de
pelo seu nome de batismo, Zenith Príncipe Bailly, antecedido pela qualidade de
poetiza...
Mas isso contribui para reduzir em muito, e por vezes até em destruir
totalmente, esse maravilhoso prazer, surgido após o amadurecimento saudável e
feliz, das boas recordações!
Por vezes sentimos a necessidade de transformar a recordação em imagem
real, em apreciar a trajetória de vida dessas pessoas que muito nos marcaram.
E é nesse momento que recebemos o duro golpe da anulação da identidade!
Onde está L. V., minha eterna paixão, quando ambos tínhamos nove anos de
idade, e cursávamos a terceira série primária no Externato Aragón, em Niterói? Um
verdadeiro amor platônico, até o dia em que eu tive a coragem de declarar todo
o meu amor, não a ela, mas à sua mãe... foram duas mães surpresas com o fato! E
eu envergonhado, nem conseguia mais olhar nos olhos dela...
O que aconteceu com D. M., N. D., L. S., D. U., cada uma representando
uma fase de descoberta do amor infantil, passando pelo período da adolescência
e entrando na juventude?
Cada uma delas tinha um sonho de realização profissional. Mas o casamento
certamente modificou seus planos.
A mudança no rumo da vida pode ter significado uma anulação da sua satisfação
profissional e pessoal e o impedimento de que uma recordação como essas
reacenda a chama de um amor infantil!
Houve a tradicional anulação de identidade causada pela mudança do
sobrenome.
E, infelizmente, ainda não temos aplicativos de busca que nos traga, de
volta, a imagem de um amor que mudou de endereço, de nome, de cultura
individual e de identidade pessoal!
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