Estudos sobre a consciência humana
Para que se preocupar com limites entre realidade, sonho e
ilusão, se tudo isso é criado da mesma forma, em nosso cérebro?
Vamos iniciar, então, analisando a conscientização da
realidade.
Olhamos um objeto. O reflexo da luz que incide sobre ele vai
direto para nossa retina.
Na retina milhares de células, que são chamadas de cones, as
que percebem as cores, e bastonetes, as que percebem a luminosidade, se
sensibilizam com esse reflexo e geram pulsos elétricos.
Esses pulsos vão para o cérebro, por um nervo chamado nervo
ótimo, direto para a área que processa esse tipo de percepção.
Nesse caso do exemplo, que é uma imagem visual, vai para o
lobo occipital, na parte de trás da cabeça.
No cérebro o processador começa o processo de construção de
uma imagem que deve corresponder ao objeto real.
Para essa construção ele utiliza os sinais elétricos
recebidos e os compara com todos os demais arquivos de imagens já memorizados,
para que haja a compreensão do que está sendo visualizado.
A compreensão correta do que a gente vê depende de já termos
alguma referência anterior memorizada.
Quando todas as partes dessa imagem foram comparadas com
nossa memória, a imagem é formada e só agora, ela se torna consciente em nosso
cérebro.
Até esse ponto podemos concluir que a imagem que vemos ao
olhar o objeto, corresponde exatamente aquele objeto, ou seja, a imagem
conscientizada é a representação exata do real.
É mesmo? Mas veja o seguinte:
Todos sabemos o que é hipnose, certo?
A coisa começa a complicar quando constatamos que qualquer
bom hipnotizador pode pular todas as etapas iniciais da percepção e ir direto
para os processadores mentais, sugestionando-os para gerarem uma imagem que, na
verdade, não existe.
Temos, então, uma imagem, essa de um objeto inexistente, construído
mentalmente na área consciente do cérebro, exatamente da mesma fora que a outra
imagem, que acreditamos ser de um objeto real, só que não há qualquer objeto
ali.
Como a conscientização é feita exatamente da mesma forma, nunca
teremos condições de saber se aquilo que se tornou consciente é fruto da
realidade ou de uma sugestão hipnótica.
Vamos complicar um pouco mais?
Analisemos um paciente esquizofrênico. Esse nem precisa do
hipnotizador para ver o que não existe!
Sua patologia se encarrega, sozinha, de
criar imagens, sons, sabores e cheiros, apenas com base nos arquivos mentais,
sem que nada disso seja real!
O caso mais conhecido mundialmente é o de John Nash, o
cientista que deu origem ao filme “Uma Mente Brilhante”.
Ele nunca conseguia diferenciar as pessoas reais das pessoas
criadas pela sua mente! As imagens, os fatos, os sons e as sensações eram
idênticas, fossem elas reais ou frutos da sua alucinação esquizofrênica.
E os sonhos?
Saindo da esquizofrenia e indo para um sonho normal,
constatamos, também, que nossos arquivos constroem verdadeiros roteiros de
filmes, sem que precisemos estar vendo nem ouvindo nada daquilo!
E há sonhos que nos parecem totalmente reais!
Então, pelo que estamos percebendo, o fato de estarmos
conscientes de alguma coisa, seja a imagem de um objeto, um som, um
acontecimento, uma sensação, ou até você estar mesmo lendo esse artigo ou
assistindo a esse vídeo, não nos garante que isso esteja acontecendo de
verdade!
E, logicamente, se quisermos ir um pouco mais longe, basta
lembrar do filme Matrix, e a dúvida passa a ser: existe mesmo o real, ou tudo,
na nossa vida, nada mais é do que fruto da nossa imaginação?
Depois dessa sacudida em nossa mente vamos, agora, ao assunto
de hoje, que é: como trabalha a nossa conscientização de mundo!
Quando chegamos ao mundo “damos de cara” com uma infinidade
de informações, todas recebidas como sensações, que nos chegam por meio de
imagens, sons, cheiros, sabores, diferenças de temperaturas, humidade e secura,
atrito e pressão.
Percebemos outras, também, que parecem vir pelo pensamento,
imaginação ou ilusão, como se estivéssemos em um sonho, mesmo que estejamos
acordados.
E cada uma dessas imagens (percebam que estou falando
imagens, mas que podem ser sons, cheiros, sabores e demais sensações captadas
por nossos elementos sensores) pode provocar sentimentos de curiosidade, medo,
tristeza, raiva, satisfação, insatisfação, prazer, dor, ansiedade, angústia,
embora algumas nos passem despercebidas ou somos nós mesmos que as desprezamos.
Mas é com essas percepções que vamos formando a nossa “base
de dados”, que são os nossos arquivos cerebrais.
É com base nessa base de dados que poderemos entender o que
nos cerca, sejam objetos, pessoas, ambientes, imagens, sons, fatos,
acontecimentos, atitudes das pessoas, carinhos, agressões, violências, emoções,
sentimentos e tudo o mais.
E, para não esquecer o que dissemos no início, essa mesma
base de dados também serve para apoiar a formação dos sonhos, a realização do
surto hipnótico e a criação das alucinações esquizofrênicas.
Mas, como ocorrem essas gravações, ou seja, como são
formados esses arquivos?
Esse conjunto de informações vai sendo registrado em cada
uma das nossas redes neurais e passam, aos poucos, a fazer parte da nossa
memória definitiva, como elementos fundamentais para o nosso entendimento de
mundo.
Na medida em que essas informações são transformadas em
memória, em cada uma das nossas redes neurais, é como se estivéssemos
programando o nosso computador mental.
Quando uma rede neural guarda uma informação significa que
essa rede criou um conjunto de regras internas, que podemos chamar de um
algoritmo.
Essa rede já programada com esse algoritmo transforma a
comunicação entre seus neurônios (sinapses) nas atividades conscientes que
temos, como as diferentes percepções, os pensamentos, as lembranças, os
sentimentos e as emoções.
Francis Crick[i] e Christof Koch[ii] concluíram que deve
haver uma infinidade de códigos neurais (algoritmos) operando em diferentes
escalas, por todo o cérebro, e que a própria mente deve inventar novos códigos
em resposta a todas as diferentes experiências que temos em nosso dia-a-dia.
Isso não é difícil de concluir, ainda mais hoje, quando a
informática faz isso em todos os computadores.
Hoje confirmamos que esses códigos existem e que,
certamente, são muito mais complexos do que o próprio código genético, como
Christof Koch já havia dito.
Nossas atitudes, nossos pensamentos, nossos desejos, nossos
sentimentos e nossas emoções são, então, o produto de uma série de equações
(códigos ou algoritmos), contidas nessas redes neurais.
Francis Crick vai mais longe ainda quando nos diz, em sua
obra “The Astonishing Hypothesis” (a espantosa hipótese), que nós, nossas
brincadeiras, nossos sofrimentos, nossas memórias e nossas ambições, nossa
personalidade e o livre arbítrio, nada mais são do que o resultado do
comportamento de um imenso conjunto de neurônios.
Nós não somos nada mais, nada menos, do que um pacote de
neurônios reunidos em grupos e seguindo alguma programação!
Ou seja, o que achamos que é nossa consciência, nada mais é
do que a conscientização coletiva de aproximadamente cem bilhões de seres
interdependentes, chamados neurônios, compondo milhões de redes neurais, e cada
rede seguindo as determinações matemáticas dos algoritmos ali estabelecidos por
algum tipo de programação ou por algum programador.
Ufa! Que ducha de água fria em quem se achava que era alguma
coisa importante...!
Essa ideia é tão espantosa (por isso o nome do livro), e
pode deixar a gente tão “para baixo”, que John Horgan[iii]
achou que ele deveria ter dado outro título: “A hipótese depressiva”.
Já vimos, então, que não somos nada mais do que um conjunto
de códigos neurais (algoritmos), pré-programados.
Mas isso pode não ser bem assim. São apenas elucubrações
científicas e filosóficas sobre a consciência humana.
E agora, uma curiosidade:
Por que as crianças de hoje parecem nascer sabendo?
Nossa mente, ao nascermos, não deveria estar limpa, sem nada
na memória, sem qualquer conhecimento prévio? Tudo não deveria ser novidade?
Antes a resposta a ser dada era: sim!
Hoje, pela observação das crianças, desde o seu nascimento,
percebemos que não é bem assim.
Algum conhecimento prévio de mundo já parece
existir. Qualquer pai percebe que seu filho parece já saber coisas que não
aprendeu com ninguém!
Alguma informação parece já estar em sua mente, e foi isso
que Richard Dawkins[iv] chamou de meme, em
sua obra; “O Gene Egoista”.
Meme seria, então, a herança cultural, passada de geração a
geração, da mesma forma que acontece com os genes. Seria uma explicação para a
evolução cultural do homem.
Só não descobrimos, ainda, onde estaria localizado, em nosso
corpo, esses memes.
Será na parte do DNA que ainda chamamos de DNA lixo?
Bem. Uma parte desse DNA que era chamado de lixo, está todo
o comando dos nossos genes, mas pode sobrar alguma coisa para os memes...
Nada sabemos, então, sobre a localização dos memes, mas
sabemos que ele tem tudo para existir!
As crianças não nascem com sua consciência zerada! Já existe
um acervo cultural previamente programado, da mesma forma que o acervo
genético.
Por isso elas hoje estão espantando a todos, parecendo que
já nascem sabendo de tudo!
[i] Francis
Harry Compton Crick: Britânico, biólogo, biofísico e neurocientista,
descobridor, junto com James Watson, da estrutura da molécula do DNA. Faleceu
em 2004. Autor de The Astonishing Hypothesis, As moléculas do homem;
[ii] Christof Koch: Americano,
neurocientista. Autor de The Quest for Consciousness, Biophysics of
Computation: Information processing in single neurons.
[iii] John
Horgan: Jornalista americano especializado em ciências. Publicou The end of Science, The undiscovered
mind entre outros.
[iv] Richard
Dawkins: Britânico, biólogo, professor da Universidade de Oxford, na
Grã-Bretanha, autor de The God Delusion, O Gene Egoísta, The Greatest Show on
Earth, O relojoeiro cego, A Magia da Realidade, The ancestor’s tale, A escalada
do monte improvável e o fenótipo estendido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário