Vamos conversar, hoje, sobre a interpretação correta de uma
parte da Lei Brasileira de Inclusão, para ver se eliminamos algumas dúvidas.
1º ponto – o que é considerado “deficiência” pela Lei?
O Art. 2º diz claramente que:
“(...)considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas(...)”
Então, analisando os tipos de impedimentos:
“(...) de natureza física(...)”:
Dificuldade de locomoção, de controle motor da fala, de
comando motor da escrita e outros.
“(...) de natureza mental(...)”:
Atraso mental leve, moderado ou grave refletindo em idade
mental diferente da cronológica.
“(...) de natureza intelectual(...)”:
Mesmo sem atraso mental, dificuldade de entendimento de
alguma disciplina, por algum tipo de bloqueio, cujas causas podem ser emocionais
ou psíquicas, provenientes de educação equivocada, comparações na infância ou
traumas por abusos físicos ou sexuais.
“(...) de natureza sensorial(...)”:
Dificuldades diversas relacionadas aos elementos sensores
como visão, audição, tato, paladar, olfato e mais quaisquer sensores não
conhecidos pela ciência biológica.
2º ponto – quem analisa e define se existem essas
deficiências, segundo a Lei?
“(...) a avaliação da deficiência, quando necessária, será
biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e
interdisciplinar(...)”
O “quando necessária” está dizendo claramente que nem sempre
haverá necessidade de alguém para fazer tal avaliação, já que há situações em
que a dificuldade de aprendizagem está mais do que clara para todos!
Mas, “quando necessário”, a escola deverá escolher alguém
que entenda da dificuldade do aluno, por isso a Lei diz “biopsicossocial”, ou
seja, profissionais que entendam das características das dificuldades desse
aluno, entre as relatadas na própria Lei, que são:
“(...) impedimentos nas funções e nas estruturas do
corpo(...)”
“(...) fatores socioambientais, psicológicos e
pessoais(...)”
“(...) limitação no desempenho de atividades(...)”
“(...) restrição de participação(...)”
A competência no entendimento dessas “características
impeditivas da aprendizagem” não é do médico, isso é importante deixar bem
claro, mas sim dos profissionais de pedagogia, que são:
Pedagogo
Psicopedagogo
Neuropedagogo
A escola, então, para considerar um aluno como cliente do
Atendimento Educacional Especializado, pode solicitar a análise e o relatório
de algum ou alguns desses profissionais, que são os que detém a necessária
competência em relação ao processo pedagógico de aprendizagem.
Não está aí incluído nenhuma especialidade médica, já que a
competência médica é necessária para atendimento clínico, mas nunca para
atendimento pedagógico.
3º ponto – por que os técnicos do MEC estão exigindo
Relatório Médico, se ele não é necessário, para que um aluno seja matriculado
no AEE?
Infelizmente há técnicos ligados ao MEC que não têm
conhecimento das normas do próprio MEC ou não souberam interpretá-las
corretamente.
Por causa dessa dificuldade de interpretar as leis é que o
próprio MEC publicou a Nota Técnica 04/2014/MEC/SECADI/DPEE de 23/01/2014, que
tenta deixar bem claro que laudo médico é para tratamento clínico e não para
acompanhamento pedagógico!
Entre outras coisas a Nota Técnica diz que:
NT-“(...) o AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e
não clínico(...)”
A competência do médico é para realizar o atendimento
clínico.
Para o atendimento pedagógico a competência é do pedagogo, ou
do psicopedagogo e ou do neuropedagogo.
E então, devido a essas diferentes competências:
NT-“(...) o direito das pessoas com deficiência à educação
não poderá ser cerceado pela exigência de laudo médico(...)”
E, para deixar bem claro que exigir LAUDO MÉDICO é um
absurdo e ilegal, a NOTA TÉCNICA ainda diz que:
NT-“(...) a exigência de diagnóstico clínico dos estudantes
com deficiências (...) configura-se em discriminação e cerceamento de
direito(...)”
Acredito que não haja mais dúvidas sobre isso!
4º ponto – o que o professor deve fazer durante a aula,
quando em sua sala existe um aluno com
dificuldade de aprendizagem?
O Art. 27 da Lei diz que é obrigatório assegurar o:
“(...) sistema educacional inclusivo em todos os níveis e
aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo
desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais,
intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades
de aprendizagem(...)”
Então está claro que a explicação do assunto da aula, a
tarefa a ser realizada durante a aula, a tarefa passada para casa e a avaliação
deverá ser realizada de forma a alcançar o “(...)máximo desenvolvimento
possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e
sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de
aprendizagem(...)”.
Vamos criar uma situação para análise?
Sala de aula 8º ano. Aula de matemática. Assunto
potenciação. Aluno com idade mental abaixo da idade cronológica e nível
intelectual equivalente ao 2º ano.
Se o professor der uma aula expositiva sobre potenciação, no
nível do 8º ano, o que acontecerá com o aluno especial, cujo intelecto está no
nível do 2º ano?
Opção a) Ele ficará super satisfeito em estar em uma sala
onde o professor fala uma linguagem que ele não entende e mais satisfeito ainda
quando vê que seus colegas entendem tudo e ele não entende nada. Ele elevará a
sua autoestima e assim ele se sentirá animado para sempre tentar aprender
coisas impossíveis e estranhas ao seu conhecimento. Com essa autoestima elevada
o seu cérebro estará sempre trabalhando a seu favor e ajudando a reduzir os
sintomas de dificuldade de aprendizagem.
Opção b) Ele ficará triste e desanimado em estar em uma sala
onde o professor fala uma linguagem que ele não entende e mais triste e
desanimado ainda quando vê que seus colegas entendem tudo e ele não entende
nada. Ele vai reduzir a sua autoestima e assim ele se sentirá desanimado porque
sabe que vai ter que sempre tentar aprender coisas impossíveis e estranhas ao
seu conhecimento. Com isso, baixa a sua autoestima e o seu cérebro estará
sempre trabalhando contra ele mesmo e aumentando ainda mais os sintomas de
dificuldade de aprendizagem.
É óbvio que a resposta certa é a opção b!
Ou seja: esse procedimento do professor está totalmente
contrário à determinação legal do Art. 27, já que dar esse tipo de aula, onde
há um aluno especial, não está ajudando a obter o “(...)máximo desenvolvimento
possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e
sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de
aprendizagem(...)”.
O que esse professor está tentando fazer é fingir que não
está percebendo que o aluno especial não está entendendo nada, deixa-lo isolado
em um canto da sala, ignorar o fato de ele não entender as tarefas, de ele não
realizar os trabalhos para casa e de ele tirar zero nas avaliações e, ao final do
ano, lançar zero em seu boletim e, nas observações colocar: aprovado por ser
aluno especial!
Esse professor, além de estar em desacordo completo com o
Art. 27 da Lei, está conseguindo baixar ainda mais a autoestima desse aluno, o
que vai fazer com que o aluno se sinta cada vez mais inferior em relação aos
seus colegas e à sociedade, desistindo de estudar e desistindo de viver
socialmente.
Esse professor estará decretando a infelicidade desse aluno!
5º ponto – qual a função de cada profissional, em uma escola,
quando temos alunos de inclusão matriculados?
Para não estender muito a nossa conversa de hoje, leiam o
nosso artigo ou assistam ao vídeo
“Educação inclusiva e os cinco passos básicos
da coordenação”, no qual eu especifico a verdadeira função de cada um, de
acordo com a Lei Brasileira de Inclusão que é a que nós estamos discutindo.
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