domingo, 5 de julho de 2009

Sobre a aula de linguagem

Amigos,

Em nosso Grupo IUPE de discussão foi publicado um texto sobre erros graves cometidos no uso de nosso idioma. Temos recebido muitos textos desses, principalmente de resultados de exames vestibulares, o que já faz parte do repertório de piadas nacionais. O assunto é polêmico, porque envolve tanto o desastre linguístico sendo proliferado pelos discursos em nosso país, como a exclusão social a partir dessa constatação.

Angela Cristina, psicopedagoga, preocupada com a má preparação do nosso povo, encaminhopu o e-mail que recebeu sobre o assunto.

Moacir Eduão, poeta, preocupado com a exclusão social desses seres humanos que, em grande parte de sua comunicação verbal, expressam a sua cultura regional, com uma linguagem característica de seu povoado, de sua comunidade e que deveria também ser respeitada e incluída no universo linguístico e cultural do nosso país.

O debate é maravilhoso em nosso convívio, porque conseguimos ter, sobre o mesmo assunto, interpretações e opiniões praticamente contrárias, embora nenhuma contraditória! Fico feliz com isso, principalmente porque me "dá pena" quando os grupos são unânimes em suas interpretações...

Pode até coincidir que todos comunguem das mesmas opiniões, mas o que tenho observado em entrevistas e mesas redondas disseminadas em nossa mídia, mais parece uma acomodação à opinião do outros ou a insegurança em colocar em público o seu próprio trabalho de análise, realizado por meio da interpretação pessoal das premissas oferecidas pelo mundo.

Nós temos o direito de escolher nossas premissas e até de entender algumas delas como axiomas! Se outros substituem nossas premissas por falácias ou as interpretam como tal, é também um direito dele.

Já tive a oportunidade de ver contestado um raciocínio meu, em que eu acreditava estar baseado em axiomas! E eu realmente estava errado! Meus axiomas eram premissas mal entendidas durante décadas e que, a partir da evolução de equipamentos de medidas neuro-eletrônicas, mostraram-se incorreções de raciocínio básico.

Mas o assunto é sério: nosso idioma

E os acontecimentos mais ainda. E aqui vão alguns:

1) Preocupação com o idioma: Na última resolução do MEC resolveu-se acabar com o ensino de PORTUGUÊS, MATEMÁTICA E GEOGRAFIA no Ensino Médio. Pelo que entendi os demais professores terão que inserir, em suas disciplinas, os conceitos hoje ensinados em disciplinas exclusivas, já que tais conceitos são parte das outras matérias. A idéia pode até ser louvável, mas há que se analisar se o caminho é esse mesmo e se os professores das outras disciplinas estarão aptos a assumir tais funções. E quanto aos professores formados para essas disciplinas? Mas isso já é um outro debate. Por enquanto vejo (e posso estar redondamente enganado) mais um passo para a redução da capacidade de expressão do povo e, consequentemente, fazer com que eles se sintam felizes na ignorância pela incapacidade de questionar o sistema corrupto que aí está. Aliás nem entendendo o que a corrupção tem a ver com ele...

2) Preocupação com a exclusão: Por outro lado, a exclusão social de pessoas que, por não terem acesso a uma educação de mínima qualidade, não conseguem expressar-se de forma correta, não conseguem um bom emprego e não conseguem condições boas de sobrevivência. Embora saibamos que uma dá origem da outra, pois é o ensino de má qualidade que impede as pessoas de consiguirem argumentar corretamente para conseguir vencer na vida. Assim são ultrapassados pelos que, por terem nascido em berço mais privilegiado, conseguem um ensino de qualidade um pouco melhor e assim ocupam as melhores posições nos empregos.

A posição do poeta Moacir Eduão é de revolta pela exclusão. Concordo plenamente que essa forma de tratar a consequência de um erro social deveria ser considerado um crime! Se o erro existe temos que consertá-lo e não excluir o seu resultado, ainda mais que o seu resultado é um ser humano mal preparado, como por exemplo o meu caseiro que, esforçado pelos estudos, não consegue escrever bem uma frase em português, já que a última vez que sua professora apareceu no colégio foi no ano passado para dizer que todos haviam sido aprovados para o ano seguinte!

A posição da psicopedagoga Ana Cristina é de revolta também, pelo resultado que está sendo imposto pelo sistema educacional vigente, construindo seres humanos sem qualquer condição de montar argumentos convincentes, nem sequer de saber quais são os seus direitos para isso, já que a grande maioria acaba aprovada no Ensino Médio sem saber interpretar o que leu... Isso para os que saem sabendo ler, o que também é uma minoria...

A outra preocupação do poeta Moacir Eduão é com o abandono da cultura regional. Isso é também um problema gravíssimo! O erro começou com o advento da TV e das novelas. Muitas dessas características anteriormente claras nos costumes dos povoados e municípios acabaram sendo "engolidas" pela manipulação mental exercida pelas grandes redes. Até as diferenças de sotaques estão sendo reduzidas! Não se dá a menor importância às expressões locais e elas não são registradas, a menos que escritores regionais as coloquem em seus contos... Mas se a população local não sabe ler... E se os que se dizem letrados não se preocupam em absorver tais conhecimentoe e repassá-los, é essa maravilhosa cultura linguística regional que vai se esvaindo até a eliminação completa de quaisquer vestígios... E todos continuarão a falar: "Eu vou encontrá-lo tipo duas horas da tarde... Ou: "Dormir na beliche de cima é treva mamãe..." (...) que são novos elementos anticulturais de quem não tem qualquer noção de vocabulário... mas que assistem as novelas da Rede Globo de televisão. Beliche é substantivo masculino, ou melhor, era até o capítulo de ontem da novela "Caras e Bocas"... Treva realmente existe (e o reino delas é o inferno...) (...) e assim sucessivamente.

A outra preocupação da psicopedagoga Ana Cristina também é importante: se não alertarmos o povo para os erros no trato linguístico eles não poderão evoluir nem no entendimento, nem na compreensão e, muito menos na elaboração de suas próprias idéias, já que grande parte do sistema está amarrado no formal. E se a exclusão, por mais que a combatamos, continuará existindo por muito tempo, independente de queremos ou não, precisamos reduzir as dificuldades dos menos favorecidos ajudando-os a corrigir aqueles vícios que podem ser entendidos pelos empregadores como falhas na comunicação. Assim poderemos, no mínimo, contribuir para a sua empregabilidade.

No fundo ambos estão no mesmo barco mas precisam manter opiniões contrárias o tempo todo, porque só assim nós conseguiremos enxergar mais além do que aquilo que a GLOBO nos mostra...

Peço ao poeta Eduão que, se tiver alguma coletânea de termos e expressões regionais ligadas a algum povoado que, assim que tiver horas vagas, coloque-as em um novo livro, logicamente com o romanceamento que lhe é peculiar. Nós precisamos disso para registrar essa maravilhosa cultura linguística que se esvai... E pode desaparecer para sempre...

Peço a psicopedagoga Ana Cristina que envie sempre seus textos para o deleite de nossos amigos leitores.

E peço a todos os demais amigos que façam seus comentários visitando o nosso BLOG (robertoandersen.blogspot.com) e clicando logo abaixo desse texto em comentários.

Antes de me despedir por hoje rettransmisto, abaixo, o texto de Moacir Eduão em relação ao e-mail sobre a aula de português:

Fico triste ao perceber que ainda há e-mails e pensamentos tão excludentes quanto os do e-mail enviado por Angela Cristina. A forma de falar de uma pessoa não é nada "de matar", como aparece lá. Terrivelmente, alguns(mas) escritoristas ainda negam o fato de que o Brasil, por anos e anos negou direitos básicos à seu povo. Entre esses direitos estão, justamente, os direitos à alfabetização. Mesmo sabendo dessa negativa, o povo consegue se expressar, de forma muito bela, seja com seu português arcaico, seja com os atuais (e tecnológicos, encontrados em textos da internet). O que nos sugere cada slide é que, por mais que se fale em construção de caráter, passa pela cabeça de muitos que o conteúdo há muito escondido desde a idade média ainda está com cicuta entre as páginas da História. É comovente ter que ver alguma pessoa chocada com a simplicidade das gentes, Brasil a fora. É como se se pudesse redomar um organismo vivo como o idioma e suas variações. É como se, pensando em flores, fossem flores apenas rosa, margarida, o cravo que brigou com a primeira... Para conhecer as gentes, é preciso sair dos livros, é preciso ir à Grécia, à Oiapoque, e ao interior do interior do Brasil, para entender o fenômeno de que, mesmo sendo o país com menores índices de leitura do mundo, todo seu território consegue se comunicar, a não ser quando se "peita" ou se "entropica" com a incoerêno, ou uma insegurança em colocar a oúblico suas cia de críticos mal vividos fora dos livros e bibliotecas, ou com aqueles cuja solidão se apresenta tão feroz que não dá por si, e que deveriam se encontrar, mesmo às vezes, que fosse, em becos, guetos, esquinas, onde está o mundo o qual eles não vivem. Ali, vive gente que fala. Se não fala como quem teve livros, fala como quem teve vícios, arranhões de unha-de-gato, sustos com corre-campo, cordéis lidos sob a luz de uma fogueira, quando não seus filhos presos na cadeia ou no tráfico, seu pai detento no álcool ou no jogo do bicho.
Companheiros, companheiros, e companheiras...
A vida é feita aqui fora. E aqui fora, a língua talvez seja outra, como o é, para os daqui de fora, o português padrão e o chamado português culto.
"A gente não quer só comida..."

Abraços.

Moacir Eduão - 74 9998-7919
Poeta
Coordenador do Ponto de Leitura Solar da Boa Vista Castro Alves




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Professor Roberto Emilio Bailly Andersen Cavalcanti
Instituto Univérsico de Pesquisa e Educação (Salvador) - Presidente
Federação para a Paz Universal - Presidente do Conselho na Bahia
Academia de Ciências de Nova Iorque - Cientista Membro
www.iupe.org.br robertoandersen@gmail.com
Celular: 55 71 9198-5489
Instituto: 71 3389-8232

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