sábado, 16 de janeiro de 2010

Amigos imaginários

Na palestra que dei ontem uma pergunta gerou todo um debate: São saudáveis as crianças que tem amigos imaginários? Qual não foi a minha surpresa ao abrir o A Tarde de hoje e encontrar a matéria "Penso... e eles existem!" no suplemento infantil A Tardinha. A chamada para a matéria, na primeira página, diz: "Para que servem os amigos imaginários?"

Sabemos que entender o universo infantil é uma verdadeira arte. Mas é uma arte maravilhosa, uma arte gratificante, uma arte empolgante, desde que o adulto: desenvolva a capacidade de ouvir, o que chamamos de "escuta ativa"; ao mesmo tempo treine a paciência para a compreensão dos detalhes e das motivações daquela criança para aquele ato e; desenvolva a sua competência empática, que nada mais é do que se colocar no lugar e na idade daquela criança, para procurar sentir o mundo como ela o sente.

Então vamos tentar responder a pergunta da chamada da matéria: "Para que eles servem?"

Precisamos lembrar do processo de formação do caráter da criança (ou personalidade, como queiram) a partir dos seus primeiros anos de vida. Vamos nos deter na terceira fase de formação, a que vai aproximadamente dos três aos sete anos de idade. Essa fase está descrita em detalhes nas páginas 87 a 92 do meu livro "Afetividade na Educação - Psicopedagogia", com base em Freud, Wallon e todos os demais pensadores ligados a esse estudo de formação.

Quem já leu esse meu livro lembra que a partir dos três anos a criança começa a entender melhor os outros e começa a se adaptar a esse relacionamento social. Seu cérebro, então, começa a trabalhar na formação de ligações neurais apropriadas a esse novo entendimento de mundo, que é agora um mundo mais social e menos individualizado.

Mas para que esse processo seja perfeito a criança precisa vivenciar essa relação e senti-la verdadeiramente em todos os momentos de seu dia, seja em casa ou na creche-escola. E exatamente por causa dessa necessidade é que eu recomendo a matrícula numa dessas escolinhas desde os primeiros anos de vida.

Minha recomendação não é teórica, mas baseada em experiência própria. Meus filhos foram matriculados numa dessas, desde três meses de vida! Foi na Risco Rabisco da Pituba, que, infelizmente, não existe mais. Lá eles conviveram com excelentes profissionais extremamente dedicados, como Edvaldo e Ângela, os diretores, Andréia, auxilar pedagógica e Áurea, a cozinheira, se não me falha a memória.

Essa minha recomendação é sempre muito criticada por grande parte das avós super protetoras, que querem seus netos em casa o tempo todo, mesmo que não possam brincar com nenhuma criança de sua idade. Elas acham "desumano" mandar a criança para uma creche onde não poderão estar o tempo todo abraçados pela avó... Como se a criança preferisse estar abraçada a um adulto ao invés de estar brincando com outras crianças de sua idade...

Mas vamos agora fazer uma visita à mente dessa criança. Se ela estiver em um ambiente cheio de colegas e repleto de brincadeiras, jogos e aprendizado lúdico, ela estará satisfazendo a sua necessidade de reconhecimento social e relacionamento interpessoal. Seu cérebro estará sendo alimentado por essas vivências, o que facilitará toda a contrução das interligações necessárias
a esse desenvolvimento.

Se, entretanto, ela estiver sozinha, sem colegas que possam compartilhar esse aprendizado, ela poderá tomar dois caminhos opostos. Um muito perigoso para a sua formação, que seria a acomodação ao isolamento e a possível montagem de uma personalidade levada ao isolamento e a individualidade excessiva. O outro, mais adequado, é o da criatividade, montando histórias e dramatizações, transformando brinquedos em personagens reais, ou até visualizando amigos imaginários que serão seus parceiros nas brincadeiras, nos jogos, nos passeios e em todos os demais momentos de sua vida.

É comum levarem esses amigos a passeios reais com seus pais, em viagens reais, como por exemplo o caso relatado no artigo de hoje, quando a menina Júlia, de seis anos, levou seu amigo na viagem que fez à Itália (só que ele foi na asa do avião).

Nessa época surgem as incompreensões dos adultos, junto com a falta de sensibilidade. Frequentemente conseguem bloquear esse processo criativo e fantasioso, eliminando a possibilidade dessa criança ter uma formação neural perfeita e harmônica, principalmente quando dizem para a criança "parar de inventar coisas" e, pior ainda, comentando que "essa menina parece maluca!"
É também nessa fase que surgem as histórias de Papai Noel, Cegonha e tudo o mais. A despeito das opiniões de "entendidos de plantão" que contestam a utilização dessas irrealidades, insisto em que todas as historinhas infantis, principalmente de contos de fadas, duendes e coisas semelhantes, sejam largamente usadas.

Nossa preocupação não é com o fato da criatividade infantil ou da história de duendes ser uma distorção da realidade, mas sim com a mensagem positiva que todas essas histórias devem passar para que, a cada instante de sua formação, esteja sendo realizado aquilo que costumo chamar de "Construção da Cultura do Caráter".

Guardem esse detalhe, por favor: mensagens sempre positivas! Não precisamos, em momento algum, mostrar para as crianças as mensagens negativas do mundo. Essas elas aprendem sozinhas. Mas as positivas só nós, pais e educadores, estamos preocupados em ensinar. A sociedade pornocorrompida e desonesta se encarrega do outro lado dessa formação.

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