Autistas e a Construção da Inteligência
Muitas pessoas podem perguntar a razão pela qual um estudo
sobre inteligência e aprendizagem faz referência ao autista como ponto
principal.
Mas isso será esclarecido aos poucos, quando analisarmos
todo o processo dessa construção.
Na nossa conversa de hoje vamos ver a origem ocidental dos
estudos sobre a cognição, que é a capacidade de aprender, e como surgem as
memórias, que são os elementos básicos para que todo o processo de aprendizagem
ocorra e, assim, possamos construir a inteligência e, como utilizar melhor,
essas inteligências.
Sabemos que os conceitos dos povos orientais e os dos povos árabes
foram os primeiros a serem desenvolvidos, mas os conceitos gregos acabam sendo
a nossa referência, principalmente pela facilidade de acesso às suas obras.
Então vamos pular Sócrates e todos os pré-socráticos, indo
direto a Platão.
Segundo ele, o ser humano é dotado de duas espécies de
memória, a inata, herdada do mundo inteligível, recebida antes de nascer, e a
construída, proveniente do mundo sensível, a partir do seu nascimento.
Aristóteles, depois dele, abandonou a ideia de memória
inata, considerando, em seus escritos, que só existia a memória construída, com
base apenas no mundo sensível.
Nesse ponto fazemos um paralelo com o que, nos dias de hoje,
Richard Dawkins chamou de memória dos “memes”, que tem um pouco a ver com a
ideia de Platão, mas que, em vez de ser recebida do mundo inteligível, seria
herdada dos antepassados, como uma espécie de registro cultural passado de pai
para filho, da mesma forma como são passadas as heranças genéticas.
Quem desejar se aprofundar nessa realidade dos memes, leia
“O Gene Egoísta”, de Richard Dawkins.
Então, além dos genes, em nosso DNA, onde estão todas as memórias
(ou programações) que determinam o desenvolvimento de nosso organismo, há
também os memes, só não sabemos, ainda, onde se localizam, trazendo todas as
memórias culturais da nossa linhagem antropológica.
Os autistas começam a entrar em nosso estudo aqui.
As diferenças entre os autistas e os neurotípicos estariam
em algumas alterações nos genes.
Alguns chamam de mutações e outros insistem em detalhar que
são diferentes chaveamentos das muitas programações existentes em cada um
deles.
Essas diferenças acabam trazendo aos autistas algumas características
que podem prejudicar todo o seu desenvolvimento, mas trazem outras que podem
até trazer alguma capacidade de raciocínio muito superior a qualquer
neurotípico.
Se ele vai ter sua vida prejudicada ou se vai poder usufruir
disso, vai depender da forma como ele será tratado e acompanhado durante o seu
desenvolvimento neurofisiológico.
Se for tratado exclusivamente com medicamentos
psiquiátricos, ele terá seus sintomas “camuflados”, mas não vai ter condições
de desenvolver corretamente suas redes neurais e, então, só sairá prejudicado.
Mas, para nosso estudo de hoje, o que precisamos saber é
que, entre essas características diferenciadas dos autistas está a inexistência
da fagocitose que, no caso dos neurotípicos, elimina cerca de 900 trilhões de
sinapses, dos dois aos doze anos de idade, deixando os não autistas, ou seja,
os ditos “normais”, com apenas 100 trilhões delas.
Os autistas continuam com quase todas elas, o que significa que,
teoricamente, os ditos “normais” teriam apenas 10% da capacidade de pensamento
dos autistas.
Esses detalhes constam das nossas conversas específicas
sobre o autismo, em outras postagens. Quem quiser entrar nesses detalhes
assistam aos nossos vídeos sobre os autistas.
Mas vamos ver como isso vai ser útil mais tarde.
Voltando aos memes, só sabemos que são memórias herdadas, o
que me leva ao conhecimento que adquiri de um Xamã aborígene, na década de
setenta, no deserto da Austrália, quando ele afirmava que nossa memória tem
acesso a todo conhecimento do mundo, desde que tenha sido “pensado” com alguma
intensidade.
No estudo de Dawkins esse conhecimento estaria nos memes.
Mas o que isso interessa a nós?
Interessa saber que todos nós, sejamos autistas ou
neurotípicos, TDAHs ou não, deficientes ou não, temos essas memórias dentro de
nós.
Isso significa que cada um de nós tem a capacidade, pelo
menos em potencial, de juntar as informações percebidas (visão, audição, etc.),
que são as do mundo sensível, arquivadas a partir da fecundação, com as do
mundo inteligível (segundo Aristóteles) ou memético (segundo Dawkins) e, a
partir daí, construir o nosso conhecimento e elaborar as nossas conclusões.
Desenvolver essa capacidade intelectual é uma necessidade
evidente devido, principalmente, aos desafios globais que, a cada dia, se
tornam mais complicados.
Mas é exatamente aí que entram os autistas.
Neles, essa capacidade de raciocínio pode ser bem superior à
dos demais, aliás, dez vezes maior, se ela estiver relacionada ao número de
redes neurais.
Isso significa que reduzir os sintomas autistas sem
prejudicar seu cérebro, ou sejam sem os efeitos colaterais dos medicamentos, é
a única forma de esse excesso de sinapses ser direcionada para o seu
desenvolvimento cerebral pleno.
Assim sua potencialidade se transformará em capacidade
adquirida e, com isso, sua inteligência dará um verdadeiro salto.
Eles terão maior capacidade que todos os demais, tanto para elaborar
suas conclusões a partir das memórias sensíveis, como terão muito mais
capacidade de comparar tais memórias com as inatas, venham elas do mundo
inteligível ou dos memes.
Então aí está a razão de não podermos falar de desenvolver
inteligência sem incluir os autistas, já que estaríamos eliminando exatamente
quem mais poderá ajudar à sociedade na compreensão mais detalhada e mais
precisa, de todos os grandes desafios que ainda estão por vir.
Precisamos, entretanto, evitar que esses autistas sejam alvo
de exibicionismo, como uma atração circense, ou que tenham seus sintomas
tratados como se fossem doentes mentais.
Por muito tempo se comentou sobre o aparecimento das
crianças índigo e, depois, as crianças cristal.
Eu acredito que, se tratarmos
corretamente os seus sintomas, acharemos a Índigo e a Cristal nas nossas crianças
azuis.
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