Freud a chamou de fase
anal e é a fase em que ela começa a aprender a pensar. Enfim, essa fase não tem
o problema da chupeta, mas, em compensação, como ela sente necessidade de mexer
sempre com as mãos para agarrar coisas que se amoldem, se transformem ao seu
toque, se modele ao seu comando, ela faz isso com argila, com massa de modelar,
com barro, lama e, se nada disso estiver à sua disposição, com as próprias
fezes.
A própria criança mostra que
mudou de fase. Mas nem sempre de uma forma tranquila, já que o mais comum é
dando um verdadeiro susto nos pais ao levar as fezes à boca! E é nesse momento
que são cometidos todos os maiores erros de quem está junto às crianças! E,
mais grave ainda, esses erros trarão consequências terríveis para toda a vida
dessa criança que está sendo formada!
Os erros dos adultos ocorrem
de diversas formas. Uma delas é o tradicional: “Que fedor!”. Outra forma é
dando um “tapa” na mão da criança quando ela pega nas fezes. Também existe o
célebre: “Vamos limpar toda essa sujeira!” E assim por diante! Eles sempre
deixam claro para a criança que o que ela fez não foi uma boa coisa...
A mente dessa criança analisa
o ocorrido e conclui que “se o que ela está fazendo é errado, feio, sujo e
fedorento, devo parar de fazer!” E surge, inicialmente, a prisão de ventre!
Agora, são os pais que,
desesperados, correm com a criança para o médico, exigindo que ele conserte um
mal provocado por eles mesmos! E começam os supositórios de glicerina e
laxantes infantis, totalmente inadequados a essa tenra idade e que poderia ter
sido evitado com o simples entendimento dessa fase. É claro que nenhum pai quer
ver seu filho comendo as fezes... Mas um pouco de criatividade soluciona
totalmente esses instintos necessários ao bom desenvolvimento de seu sistema
digestivo, sem que seja necessário proibir a criança de se sujar.
Uma dessas soluções é a massa
de modelar da cor das fezes, para que a criança possa manipulá-la em
substituição. A criança substitui com a maior naturalidade. Outro substituto
perfeitamente à altura é a argila. Uma caixa de argila para que a criança possa
brincar e se lambuzar é um excelente artifício. Mas temos que entender que ela
precisa se lambuzar, se sujar, se divertir... Mais tarde dá-se um banho, ora! O
importante é ser feliz!
Por que será que a criança
gosta tanto de brincar com as fezes? É mais uma maravilhosa programação mental!
Seu sistema digestivo está em franco desenvolvimento e ela já tem algum domínio
de seus movimentos musculares, achando interessante o autocontrole do ato de
defecar.
É um momento de raro prazer o
da produção das fezes. Por isso, elas são tão importantes e exercem sobre a
criança uma grande atração. Porém, se no momento desse namoro entre a criança e
suas fezes aparece um adulto “estragando” o prazer, a criança nada entende e um
forte sentimento de dúvida substitui o necessário sentimento de autonomia.
É nessa fase que ela direciona
sua energia para experiências exploratórias. Ela precisa desenvolver o seu
senso de autonomia. E como ela vai perceber que não pode usar sua energia
exploratória de forma totalmente livre, mas que existem regras sociais para
serem respeitadas e que devem fazer parte de seu raciocínio, ela começa a
construir sua autonomia entendendo os limites.
O aprendizado social começa aí. Surge o entendimento
relacionado ao que os adultos e as outras crianças esperam dela. Surgem os
conceitos de limitações, de obrigações e de direitos, e aparece a sua
capacidade de realizar certos julgamentos.
Os adultos atrapalham muito,
como podemos observar, mas também podem ajudar de vez em quando! O problema é
que não existe uma escola para ensinar pais a serem pais, pelo menos não as
conheço ainda. Eu soube que existia na Alemanha ou na Suíça, mas não aqui...
Mas, dentro de nossas possibilidades e limitações, tenho tentado fazer
exatamente isso, em todas as oportunidades em que me reúno com pais e
professores.
Depois que li, em um trabalho
de psiquiatria, a recomendação de treinamento parental como elemento redutor de
sintomas patológicos, passei a recomendar às escolas uma total mudança nas
reuniões de pais e mestres, conforme já relatei no capítulo ESCOLA.
Minha ideia é enfatizar nessas
reuniões o treinamento parental, com vivência de valores humanos, debate sobre
relacionamento familiar e tudo o mais. Afinal, para que serve falar mal de seus
filhos se esses são o reflexo de uma educação equivocada em casa? Melhor então
é fazer o treinamento dos pais! Os filhos melhorarão naturalmente na medida em
que os pais melhorarem o entendimento da criança, o entendimento das
necessidades de cada fase e o relacionamento familiar.
Ainda comentando sobre essa
fase anal, caracterizada também pela luta entre a autonomia e a dúvida, ela
tenta se libertar da total dependência tomando conta de si mesma, já que
percebe ter algum controle sobre suas necessidades fisiológicas. Isso é uma
vitória!
Ao sentir que está tendo
sucesso em fazer mais coisas sem medo de errar, ela constrói a sua autoestima e
passa a ter mais disposição para escolher e agir por conta própria. Contudo, se
percebe algum sentimento de desprezo ou de fortes críticas, essa criança não
consegue criar autoestima suficiente para ter segurança sobre seus atos,
nascendo um sentimento de dúvida sobre si mesmo e sobre os outros. Isso é
percebido como uma derrota! Ela poderá regredir ao estágio da insegurança,
desistindo de pensar e agir por conta própria e voltando a ser totalmente
dependente.
Outro erro comum nessa fase (e
que se repete em outras mais tarde) é quando o pai que faz questão de deixar a
criança um pouco envergonhada, justificando sua atitude com a ideia de que,
assim fazendo, estará estimulando-a para aprender a seguir determinações e
ordens dos adultos.
Se isso ocorrer de forma
frequente, essa criança poderá desenvolver um comportamento cínico, fingido e
camuflado, sempre com a intenção de se defender dessas atitudes de seus pais. E
a criança sempre tende a projetar o que seus pais fazem na imagem dos adultos
em geral e do próprio mundo à sua volta. Ou seja: as reações dessa criança não
ficam restritas ao ambiente familiar, mas serão levadas ao ambiente externo,
mais tarde, construindo uma personalidade cheia de desfaçatez, cinismo,
dissimulação e descaramento.
Por dentro, ela vai se
limitando e deixando de desenvolver suas potencialidades porque ele tem
vergonha de aparecer como errada. Ela passa a duvidar de suas próprias
capacidades.
A força considerada básica na fase anal é a vontade,
segundo Erikson. A vontade, que é colocada em prática por meio da livre escolha
na manipulação das coisas, na conversa, no andar e no explorar e que resulta na
construção da autonomia.
Educar, nessa fase, significa dar liberdade vigiada,
para que a criança tenha condições de desenvolver sua independência, mas
percebendo a atenção e o cuidado dos pais, desde que não haja exageros, nem na
liberdade total, nem no controle total.
A todo o momento, eu procuro lembrar que a liberdade
sem limites faz com que a criança se sinta abandonada e insatisfeita! Também
lembro que o limite exagerado a torna sem vontade de desenvolver sua autonomia
e fica insegura e insatisfeita. Ou seja, os extremos levam à insatisfação. E,
embora isso comece a ser percebido nessa fase, continua ocorrendo durante toda
a vida, mesmo depois da adolescência!
A fase anal é também a fase em que a criança começa a andar com mais
facilidade e, por isso mesmo, tem mais facilidade na exploração do mundo à sua
volta. A descoberta de que ela pode controlar sua marcha e a forma de
pressionar os objetos despertam o sentimento de autonomia necessário à
construção da sua segurança.
Wallon foi quem mais desenvolveu os estudos voltados para essa
característica, apontando para o entendimento de que os atos mentais da criança
são desenvolvidos a partir dos seus atos motores. Isso traz mais uma
responsabilidade para a educação, já que os atos motores não devem ser
cerceados ou impedidos, a menos que traga alguma espécie de perigo iminente.
A grande dificuldade dos adultos está em não conseguir se colocar no
lugar da criança, bem como com suas competências desenvolvidas. Cada vez que
ela movimenta seus braços e pernas com controle adequado, ela registra esse
fato como uma vitória que vai servir para impulsionar todo o seu desenvolvimento
cognitivo.
O mesmo processo se dá, ainda nessa fase, com a linguagem. As mãos e os
braços ajudam bastante no desenvolvimento das funções simbólicas da linguagem.
Cada pensamento, para ser exteriorizado, precisa, nessa fase, de muitos gestos.
E para entender isso basta lembrar como faz o próprio adulto em um país
estrangeiro, sem conseguir falar direito aquele idioma. Ou mesmo nós, aqui no
Brasil, quando queremos falar com um estrangeiro que nada entende de português.
Os gestos são a nossa salvação... Assim faz a criança no desenvolvimento da
função simbólica de sua linguagem.
Mas agora vem a parte boa para os profissionais de fonoaudiologia. É
nessa fase que podemos, sem qualquer medo, afastar a criança da chupeta, caso
ela esteja fazendo uso. Mesmo que isso provoque choro e manha, a necessidade
vital já não é o sugar, logo, qualquer imposição de limites no que diz respeito
à chupeta é perfeitamente aceitável e não vai provocar qualquer neurose futura.
Mais do que isso, eu
insisto que nessa fase DEVEMOS afastar a chupeta da criança. O que antes era
uma necessidade, agora passa a ser um grande erro. Isso porque a partir do início dessa fase ela abandona o instinto da
satisfação oral e o desloca para o ânus. Esse deslocamento vai facilitar, no
momento certo, a formação correta de todo o processo digestivo. Essa fase
coincide com o início da mudança alimentar, que faz com que o sistema digestivo
(ou digestório como querem os filólogos) e o intestino comecem a ser mais
exigidos. Não existe mais a necessidade do prazer oral e, por isso mesmo, da
chupeta.
Então, se a fase anterior era a da chupeta, do
mordedor, da presença afetiva e do exercício dos limites, nessa fase a chupeta
deve ser eliminada. O mordedor nem tanto. A presença afetiva continua muito necessária,
contudo, já se deve dar mais liberdade, mas com controle. Os limites continuam
sendo uma grande necessidade por toda a vida. Mas o mais importante é entender
que existe o prazer de defecar e que esse prazer constitui a base do correto
desenvolvimento psico-emocional-cognitivo.