terça-feira, 22 de outubro de 2013

IUPE Educação: Formação da personalidade da criança - fase anal

Freud a chamou de fase anal e é a fase em que ela começa a aprender a pensar. Enfim, essa fase não tem o problema da chupeta, mas, em compensação, como ela sente necessidade de mexer sempre com as mãos para agarrar coisas que se amoldem, se transformem ao seu toque, se modele ao seu comando, ela faz isso com argila, com massa de modelar, com barro, lama e, se nada disso estiver à sua disposição, com as próprias fezes.
A própria criança mostra que mudou de fase. Mas nem sempre de uma forma tranquila, já que o mais comum é dando um verdadeiro susto nos pais ao levar as fezes à boca! E é nesse momento que são cometidos todos os maiores erros de quem está junto às crianças! E, mais grave ainda, esses erros trarão consequências terríveis para toda a vida dessa criança que está sendo formada!
Os erros dos adultos ocorrem de diversas formas. Uma delas é o tradicional: “Que fedor!”. Outra forma é dando um “tapa” na mão da criança quando ela pega nas fezes. Também existe o célebre: “Vamos limpar toda essa sujeira!” E assim por diante! Eles sempre deixam claro para a criança que o que ela fez não foi uma boa coisa...
A mente dessa criança analisa o ocorrido e conclui que “se o que ela está fazendo é errado, feio, sujo e fedorento, devo parar de fazer!” E surge, inicialmente, a prisão de ventre!
Agora, são os pais que, desesperados, correm com a criança para o médico, exigindo que ele conserte um mal provocado por eles mesmos! E começam os supositórios de glicerina e laxantes infantis, totalmente inadequados a essa tenra idade e que poderia ter sido evitado com o simples entendimento dessa fase. É claro que nenhum pai quer ver seu filho comendo as fezes... Mas um pouco de criatividade soluciona totalmente esses instintos necessários ao bom desenvolvimento de seu sistema digestivo, sem que seja necessário proibir a criança de se sujar.
Uma dessas soluções é a massa de modelar da cor das fezes, para que a criança possa manipulá-la em substituição. A criança substitui com a maior naturalidade. Outro substituto perfeitamente à altura é a argila. Uma caixa de argila para que a criança possa brincar e se lambuzar é um excelente artifício. Mas temos que entender que ela precisa se lambuzar, se sujar, se divertir... Mais tarde dá-se um banho, ora! O importante é ser feliz!
Por que será que a criança gosta tanto de brincar com as fezes? É mais uma maravilhosa programação mental! Seu sistema digestivo está em franco desenvolvimento e ela já tem algum domínio de seus movimentos musculares, achando interessante o autocontrole do ato de defecar.
É um momento de raro prazer o da produção das fezes. Por isso, elas são tão importantes e exercem sobre a criança uma grande atração. Porém, se no momento desse namoro entre a criança e suas fezes aparece um adulto “estragando” o prazer, a criança nada entende e um forte sentimento de dúvida substitui o necessário sentimento de autonomia.
É nessa fase que ela direciona sua energia para experiências exploratórias. Ela precisa desenvolver o seu senso de autonomia. E como ela vai perceber que não pode usar sua energia exploratória de forma totalmente livre, mas que existem regras sociais para serem respeitadas e que devem fazer parte de seu raciocínio, ela começa a construir sua autonomia entendendo os limites.
O aprendizado social começa aí. Surge o entendimento relacionado ao que os adultos e as outras crianças esperam dela. Surgem os conceitos de limitações, de obrigações e de direitos, e aparece a sua capacidade de realizar certos julgamentos.
Os adultos atrapalham muito, como podemos observar, mas também podem ajudar de vez em quando! O problema é que não existe uma escola para ensinar pais a serem pais, pelo menos não as conheço ainda. Eu soube que existia na Alemanha ou na Suíça, mas não aqui... Mas, dentro de nossas possibilidades e limitações, tenho tentado fazer exatamente isso, em todas as oportunidades em que me reúno com pais e professores.
Depois que li, em um trabalho de psiquiatria, a recomendação de treinamento parental como elemento redutor de sintomas patológicos, passei a recomendar às escolas uma total mudança nas reuniões de pais e mestres, conforme já relatei no capítulo ESCOLA.
Minha ideia é enfatizar nessas reuniões o treinamento parental, com vivência de valores humanos, debate sobre relacionamento familiar e tudo o mais. Afinal, para que serve falar mal de seus filhos se esses são o reflexo de uma educação equivocada em casa? Melhor então é fazer o treinamento dos pais! Os filhos melhorarão naturalmente na medida em que os pais melhorarem o entendimento da criança, o entendimento das necessidades de cada fase e o relacionamento familiar.
Ainda comentando sobre essa fase anal, caracterizada também pela luta entre a autonomia e a dúvida, ela tenta se libertar da total dependência tomando conta de si mesma, já que percebe ter algum controle sobre suas necessidades fisiológicas. Isso é uma vitória!
Ao sentir que está tendo sucesso em fazer mais coisas sem medo de errar, ela constrói a sua autoestima e passa a ter mais disposição para escolher e agir por conta própria. Contudo, se percebe algum sentimento de desprezo ou de fortes críticas, essa criança não consegue criar autoestima suficiente para ter segurança sobre seus atos, nascendo um sentimento de dúvida sobre si mesmo e sobre os outros. Isso é percebido como uma derrota! Ela poderá regredir ao estágio da insegurança, desistindo de pensar e agir por conta própria e voltando a ser totalmente dependente.
Outro erro comum nessa fase (e que se repete em outras mais tarde) é quando o pai que faz questão de deixar a criança um pouco envergonhada, justificando sua atitude com a ideia de que, assim fazendo, estará estimulando-a para aprender a seguir determinações e ordens dos adultos.
Se isso ocorrer de forma frequente, essa criança poderá desenvolver um comportamento cínico, fingido e camuflado, sempre com a intenção de se defender dessas atitudes de seus pais. E a criança sempre tende a projetar o que seus pais fazem na imagem dos adultos em geral e do próprio mundo à sua volta. Ou seja: as reações dessa criança não ficam restritas ao ambiente familiar, mas serão levadas ao ambiente externo, mais tarde, construindo uma personalidade cheia de desfaçatez, cinismo, dissimulação e descaramento.
Por dentro, ela vai se limitando e deixando de desenvolver suas potencialidades porque ele tem vergonha de aparecer como errada. Ela passa a duvidar de suas próprias capacidades.
A força considerada básica na fase anal é a vontade, segundo Erikson. A vontade, que é colocada em prática por meio da livre escolha na manipulação das coisas, na conversa, no andar e no explorar e que resulta na construção da autonomia.
Educar, nessa fase, significa dar liberdade vigiada, para que a criança tenha condições de desenvolver sua independência, mas percebendo a atenção e o cuidado dos pais, desde que não haja exageros, nem na liberdade total, nem no controle total.
A todo o momento, eu procuro lembrar que a liberdade sem limites faz com que a criança se sinta abandonada e insatisfeita! Também lembro que o limite exagerado a torna sem vontade de desenvolver sua autonomia e fica insegura e insatisfeita. Ou seja, os extremos levam à insatisfação. E, embora isso comece a ser percebido nessa fase, continua ocorrendo durante toda a vida, mesmo depois da adolescência!
A fase anal é também a fase em que a criança começa a andar com mais facilidade e, por isso mesmo, tem mais facilidade na exploração do mundo à sua volta. A descoberta de que ela pode controlar sua marcha e a forma de pressionar os objetos despertam o sentimento de autonomia necessário à construção da sua segurança.
Wallon foi quem mais desenvolveu os estudos voltados para essa característica, apontando para o entendimento de que os atos mentais da criança são desenvolvidos a partir dos seus atos motores. Isso traz mais uma responsabilidade para a educação, já que os atos motores não devem ser cerceados ou impedidos, a menos que traga alguma espécie de perigo iminente.
A grande dificuldade dos adultos está em não conseguir se colocar no lugar da criança, bem como com suas competências desenvolvidas. Cada vez que ela movimenta seus braços e pernas com controle adequado, ela registra esse fato como uma vitória que vai servir para impulsionar todo o seu desenvolvimento cognitivo.
O mesmo processo se dá, ainda nessa fase, com a linguagem. As mãos e os braços ajudam bastante no desenvolvimento das funções simbólicas da linguagem. Cada pensamento, para ser exteriorizado, precisa, nessa fase, de muitos gestos. E para entender isso basta lembrar como faz o próprio adulto em um país estrangeiro, sem conseguir falar direito aquele idioma. Ou mesmo nós, aqui no Brasil, quando queremos falar com um estrangeiro que nada entende de português. Os gestos são a nossa salvação... Assim faz a criança no desenvolvimento da função simbólica de sua linguagem. 
Mas agora vem a parte boa para os profissionais de fonoaudiologia. É nessa fase que podemos, sem qualquer medo, afastar a criança da chupeta, caso ela esteja fazendo uso. Mesmo que isso provoque choro e manha, a necessidade vital já não é o sugar, logo, qualquer imposição de limites no que diz respeito à chupeta é perfeitamente aceitável e não vai provocar qualquer neurose futura.
Mais do que isso, eu insisto que nessa fase DEVEMOS afastar a chupeta da criança. O que antes era uma necessidade, agora passa a ser um grande erro. Isso porque a partir do início dessa fase ela abandona o instinto da satisfação oral e o desloca para o ânus. Esse deslocamento vai facilitar, no momento certo, a formação correta de todo o processo digestivo. Essa fase coincide com o início da mudança alimentar, que faz com que o sistema digestivo (ou digestório como querem os filólogos) e o intestino comecem a ser mais exigidos. Não existe mais a necessidade do prazer oral e, por isso mesmo, da chupeta.
Então, se a fase anterior era a da chupeta, do mordedor, da presença afetiva e do exercício dos limites, nessa fase a chupeta deve ser eliminada. O mordedor nem tanto. A presença afetiva continua muito necessária, contudo, já se deve dar mais liberdade, mas com controle. Os limites continuam sendo uma grande necessidade por toda a vida. Mas o mais importante é entender que existe o prazer de defecar e que esse prazer constitui a base do correto desenvolvimento psico-emocional-cognitivo.

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