Entender a espiritualidade e sua ligação com a ciência é entender a mente humana e, consequentemente, entender essa complicadíssima obra de arte que nós chamamos de Ser Humano, cuja diversidade é tão grande quanto o número de indivíduos existentes.
Cada um de nós constitui uma individualidade: um SELF. Mas como explicar a diferença tão grande existente entre cada Ser Humano. Como explicar essa riqueza incomensurável de pequenas características de sentimento, de sensibilidade e de entendimento das emoções?
Somos formados de matéria e espírito. Será? Somos energia sintetizada em forma de matéria. Será? Somos matéria e reações químicas produzindo energia. Será? Será que pelo menos SOMOS alguma coisa?
Não vamos entrar pelos questionamentos de nossas origens, o que por si só já nos levaria a infindáveis questionamentos, vamos nos deter ao que somos para, mais tarde, quem sabe, tentar entender o “por que” somos...
Por milhares de anos estamos tentando encontrar soluções para as dúvidas e questionamentos sobre nós mesmos, invocando conhecimentos que já foram profundos e transcendentes, mas que, com o passar dos tempos, reduziu-se ao estudo empírico da matéria visível e analisável, possivelmente devido a incapacidade de visualização do universo exógeno que habita no interior de nossa própria mente.
Achávamos que entendíamos o ponto de vista de Descartes quando ele nos disse: "Penso, logo, existo". Mas ficamos surpresos com as evidências mostradas por Damásio quando ele retrucou: "Existo e sinto, logo, penso". E aos poucos nossas dúvidas vão aumentando, na medida em que os quânticos nos falam que: "Existo e não existo ao mesmo tempo, mesmo sem sequer pensar sobre isso!"...
Freud tentou nos entender... Criou uma estrutura topográfica que explicaria como somos: consciente, inconsciente e pré-consciente. O gênio, de repente, viu que não funcionava bem... Criou outra e a chamou de estrutural: ego, id e superego. Até hoje é esse o tripé que consideramos mais próximos do entendimento humano, explicando nossos impulsos e emoções.
Em nossos estudos nas áreas psíquicas e pedagógicas tentamos, inicialmente, o auto-entendimento para, a partir daí, extrapolarmos para o outro e assim para a humanidade. Mas não é fácil! Principalmente pelo simples fato de todos sermos diferentes.
"Se quisermos realmente entender a natureza da mente, temos que entender a natureza do cérebro" - foi o que disse Patrícia Churchland, professora de Filosofia da Universidade da Califórnia, em 2002, numa das reuniões da Academia de Ciências de Nova Iorque. Naquele encontro discutíamos a relação mente-cérebro.
"E para entender o Ser Humano e o seu SELF” – continuava ela: “temos que recorrer hoje, não só a filosofia, mas aos métodos analíticos mais modernos, passando pelos instrumentos de laboratório e pelas sofisticadas técnicas de imagem que, aos poucos, tentam fazer uma ligação entre o SELF - nossas paixões, nossas animosidades e nossos temperamentos - às conexões físicas e ao funcionamento fisiológico do cérebro."
Paixões, animosidades e temperamentos! Isso é a nossa mola mestra. Vivemos estimulados por tais sentimentos. Eles geram uma energia interior que nos impele a atitudes corajosas e arrojadas.
“...aquilo que nós nos tornamos e a personalidade que desenvolvemos é uma combinação da natureza - influência genética - e do meio - experiências que encontramos no decorrer de nossas vidas...", segundo Patrícia. Mas tudo isso exercendo uma influência definitiva no desenvolvimento dos circuitos neurais cerebrais que constituirão o nosso SELF, como se fossem a própria programação do nosso software cerebral, ou seja, uma montagem interior do nosso coeficiente de absorção cultural.
Essa programação apresenta parâmetros que distinguem, claramente, os agentes que estão sob nosso controle daqueles que estão fora de controle. Essa distinção tanto é realizada pelas organizações neuronais do hipotálamo, da amígdala e do córtex, como também pelos hormônios e neuromoduladores a nível molecular e também pelas proteínas sintetizadas ou absorvidas pelo organismo.
Essas descobertas mostram as bases biológicas da formação do consciente do Ser Humano e levaram nosso grupo a concluir que a ética, estudada segundo tais pesquisas, nada mais é do que o resultado de uma programação do software coletivo do Ser Humano a partir da influência educacional do meio.
Revisitando Aristóteles, Karl Popper (“O self e o cérebro” escrito em parceria com J.C.Eccles) e agora Richard Dawkins (O gene egoísta), constatamos que tudo isso pode agora ser explicado pelos memes, uma unidade de transferência cultural agindo sobre a mente coletiva de forma semelhante aos genes na biologia humana.
Os conceitos de Consciência Coletiva de Emile Durkhéim e os do Inconsciente Coletivo de Jung, embora muito diferentes, podem estar relacionados a essa influência memética hoje estudada a partir de Dawkins.
Joseph LeDoux, professor de ciência no Centro de Ciência Natural da Universidade de Nova Iorque, converge com as idéias de Patrícia dizendo que, ao contrário do que muitos genéticos afirmam, nem tudo o que é biológico é genético. A experiência de vida também é muito importante para modelar as conexões neuronais do Ser Humano. Mas tudo continua sendo entendido como uma programação de software (ou seja: memético) atuando por meio de direcionamento de ligações neuronais provocadas parte por influência da herança genética e parte pela influência do meio.
Antônio Damásio, Chefe de Neurologia da Universidade de Iowa, complementa que, todas essas influências formam nos Seres Humanos dois SELFS: um SELF central e um SELF expandido. O central está em permanente formação ou transformação, fruto da interação do organismo com o meio, quando são gerados os sensos de conhecimento imediato e requer apenas de uma memória muito simples de curta duração. O expandido constitui um processo mais complexo e é construído gradualmente pela memória autobiográfica, que tanto é influenciada pelas experiências passadas como pelas esperadas, o que requer a existência de uma memória mais convencional.
Todos falam de programações da mente, de estruturas químicas, de ligações neuronais, de determinismo genético, ou seja, de uma série de diferentes fatores que influenciariam a formação do caráter do Ser Humano e o seu conseqüente comportamento ético. É a era da ciência no determinismo comportamental da sociedade. Um determinismo previsível, criando uma consciência coletiva já pronta, independente de nossa vontade individual que, na realidade, talvez nem exista...
Mas acredito que procurar entender o funcionamento da mente deve ser apenas o primeiro passo antes de tentar interferir em sua formação. Esse, sim, deve ser o objetivo principal de tais estudos. Apesar de trabalhos terem sido apresentados procurando provar a imutabilidade do ser humano, temos absoluta convicção na possibilidade da modificação a qualquer momento.
Essa modificação já está sendo conseguida por diversos grupos que, assim como o nosso, trabalham para a reconstrução do caráter humano e do resgate dos verdadeiros valores da pessoa e da sociedade. São grupos e instituições religiosas, filosóficas, científicas e educacionais cujas contribuições já estão sendo sentidas em diversas partes do mundo.
A partir de 1999 diversos encontros tem sido realizado em todo o mundo na tentativa de reunir idéias que integrem os estudos do maior número possível desses pesquisadores. Isso tem contribuído para que as análises do Ser Humano fiquem cada vez mais facilitadas, principalmente daqueles que encontram-se em situação de extremos, como meninos de rua, presidiários, menores infratores etc...
Trabalhando em cima dessas idéias - muitas delas já publicadas em revistas especializadas e em anuários das Academias de Ciências – abriremos caminho para o entendimento da ciência da mente humana e da formação de seu conceito ético de uma forma um pouco diferente da tradicional e com excelentes resultados.
Sabemos que o ser humano pode ser formado por três diferentes instintos natos, que constituiria uma programação original, de fábrica. Esses instintos e o meio seriam os elementos formadores das três inteligências básicas. As múltiplas inteligências de Gardner e as características emocionais de Goleman seriam desdobramentos desses elementos básicos e fundamentais.
Os instintos são os elementos da programação original, todos de natureza completamente positiva, direcionados para:
1) instinto de preservação da própria vida
2) instinto de preservação da própria espécie
3) instinto de preservação da inteligência
As inteligências formadas a partir daí e com a influência do meio seriam:
1) inteligência interpretativa e racional
2) inteligência emocional
3) inteligência espiritual
Esses conceitos nos levam ao entendimento de que o Ser Humano, por pior que seja o comportamento e as emoções exteriorizadas, é de natureza perfeita, ou seja, sua programação original é pura e positiva. Nesse momento damos crédito a Rousseau: o homem nasce perfeito e a sociedade o corrompe.
A harmonia do conjunto é conseguida pela correta e balanceada formação das inteligências básicas em consonância com os três instintos natos.
A ética do Ser Humano e, consequentemente, da sociedade, seria produto do conjunto das três inteligências básicas, quando em harmonia com os três instintos natos.
A falta de harmonia, ou seja, a formação desbalanceada do conjunto, produzirá os conflitos interiores e com eles os estados de angústia e infelicidade.
Essa angústia e infelicidade trazem uma revolta interior. O fenômeno da projeção joga os motivos da infelicidade no outro e assim começam os comportamentos incorretos e a inversão dos valores.
Projetando a irritabilidade no outro e no meio, nasce a necessidade da vingança e da agressividade. O outro é o inimigo. A sociedade é negativa. O meio é intolerável. Mas, na realidade, o inimigo está dentro da pessoa e ali mesmo deve ser combatido.
O combate significa o desenvolvimento do amor, inicialmente por si mesmo para, a partir daí, compartilhar com o próximo e com a comunidade.